quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Da soma pela a subtracao


Durante o ano o meu corpo é movido por um software que só conhece a lógica da “soma”. Somo o tempo todo. Ajunto coisas. Não jogo nada fora. Não me esqueço. A memória é também um jeito de somar.

São duas as razões que me levam a ajuntar. A primeira é o amor. O amor não pode ficar sem resposta. Mas a vida tem urgências maiores que as do amor. A segunda é a razão da utilidade: é possível que o objeto que tenho nas mãos de utilidade duvidosa, possa vir a ter algum uso no futuro. 
...Mas como eu dizia, agora quando o ano terminou, muda o meu software. O programa da “soma” é retirado e, no seu lugar, começa a funcionar o programa da “subtração”. O programa da ‘soma’ é feitiço danado, quanto mais ajunta, mais pesado fica, a gente vai perdendo a leveza, o andar fica difícil, é gordura e músculo demais, o corpo afunda por o peso ser em demasia.
Já o programa da ‘subtração’ é o contrário: ele quebra o feitiço da soma, a gente emagrece, fica leve, as escamas caem, o coscorão se descola, o corpo perde o músculo e ganha asas. A ‘soma’ nos faz envelhecer. A ‘subtração’ nos faz voltar a ser crianças. 
O diabo soma: “tem uma contabilidade implacável que não esquece. Deus subtrai. Não tem contabilidade. Todo perdão é esquecimento. Mas de repente, foi-se a lógica da soma e a lógica da subtração tomou o seu lugar. Álvaro de Campos concorda: 
“Ah! A frescura na face de não cumprir um dever!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora...
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação...”
Não sou senhor do tempo. Preciso de mais tempo do que tenho. Nem mesmo o amor pode com ele. É dessa impotência do amor diante do tempo que nasce a arte.
“Tempus fugit” – essa frase: o tempo foge. Diz um salmo bíblico: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. A sabedoria se inicia quando aprendemos a contar o tempo. Quem conta o tempo sabe que o tempo não soma, ele só subtrai. 
Álvaro de Campos, eufórico pela liberdade de não cumprir um dever, termina dizendo: “Estou nu e mergulho na água da minha imaginação”.
A água é o grande poder da subtração. Por onde passa, limpa. As águas tem o poder de subtrair do corpo e da alma as coisas pesadas que a passagem do tempo foi neles sedimentado. As águas nos reconduzem ao esquecimento. Elas lavam o corpo envelhecendo, e ele volta a ser criança. (Rubem Alves)

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